O Apocalipse de Pedro é também um dos apócrifos encontrados em Nag Hammadi. Existe
um outro livro com o mesmo nome, conservado em etíope. O primeiro está em grego.
Apocalipse de Pedro conta três visões que Pedro teve sobre a crucifixão e ressurreição de
Yeshua. Além de travar uma polêmica com os opositores do pensamento gnóstico, Apocalipse
de Pedro tem a intenção de oferecer uma reta interpretação da paixão de Jesus, bem como
a de animar o seleto grupo de cristãos gnósticos, que tinha Pedro como o fundamento de
fé. Pedro no Apocalipse Pedro é o verdadeiro gnóstico, que sabe distinguir entre o falso e o
verdadeiro. Ele é diferente do Pedro dos “eclesiásticos”, os quais recebem duras críticas dos
gnósticos.
O texto que segue é a tradução do Apocalipse de Pedro encontrado em Nag Hammadi,
publicado em: PIÑERO, Antonio; TORRENTES, José Montserrat; BAZÁN, Francisco
Garcia. Textos gnósticos: Apocalipsis y otros escritos. Biblioteca de Nag Hammadi, III.
Madrid: Trotta, 2000, p. 59-69. O que está entre parêntesis não faz parte do original. São
interpretações que ajudam compreensão, às vezes, confusa do texto. Este texto está também
publicado e comentado em parte no nosso livro: O outro Pedro e a outra Madalena segundo
os apócrifos. Petrópolis: Vozes, 2004.
Introdução
Quando o Salvador estava sentado no Templo, no tricentésimo ano da edificação e no
mês construção da décima coluna, satisfeito com a grandeza da Majestade vivente e
incorruptível, ele me disse:
PRIMEIRA VISÃO
- Pedro, bem-aventurados os de cima que pertencem ao Pai, que através de mim há revelado
a vida para aqueles que são da vida, pois eu os recordei, aqueles que estão edificados sobre
a sólida base, que ouçam minhas palavras e que distingam as palavras da injustiça e a
transgressão da Torá das palavras da justiça. Com efeito, eles procedem do alto, de cada palavra da Plenitude da verdade e tem sido iluminados com benevolência por Aquele, a
quem as potestades buscaram, mas não encontraram. Aquele que nem foi mencionado pelas
em nenhuma geração dos profetas.
Este apareceu agora entre aqueles, naquele no qual se é aparecido, no Filho do Homem,
exaltado no alto dos céus, revelado com temor dos homens de essência semelhante. Mas tu,
Pedro, sê perfeito segundo o nome que eu te coloquei (Pedra), pois eu ti escolhi, e fiz de ti
um princípio para o resto, a quem eu chamei para o conhecimento. Sê forte até que venha o
imitador da justiça, o imitador daquele que foi o primeiro a chamar-te.
De fato, ele te chamou para que o conheça de um modo digno, por causa da rejeição de
que foi alvo. Você pode reconhecê-lo nos tendões de suas mãos e de seus pés, no coroamento
realizado por aqueles que vivem na região do meio, no corpo luminoso que eles (os Arcontes,
aqueles que pregam os falsos ensinamentos sobre Yeshua) apresentaram na esperança de
estarem cumprindo um serviço de honrosa recompensa, quando ele ia recriminar-te três
vezes naquela noite”.
O Salvador disse estas coisas, enquanto eu estava vendo um dos sacerdotes e o povo que
corriam até nós com pedras para nos matar. Apavorei-me, pensando que íamos morrer. E
Ele me disse:
– Pedro, eu te disse diversas vezes que estes são cegos sem guias. Se queres conhecer sua
cegueira, coloca as tuas mãos sobre os olhos de seu corpo, e diga o que vês. Quando eu lhe
disse que não via nada, Ele me disse: - Não és possível que não veja nada!
Ele me disse novamente:
- Faça o mesmo outra vez.
E em mim se produziu medo e alegria ao mesmo tempo, pois vi uma luz nova, maior que a
luz do dia. Logo, a luz desceu sobre o Salvador, e eu lhe contei o que havia visto. E ele me
disse de novo:
- Levanta tuas mãos e escuta o que dizem os sacerdotes e o povo.
Eu ouvi os sacerdotes, enquanto estavam sentados com os escribas. As multidões gritavam
aos brados. Quando o Salvador escutou essas coisas de mim, ele me disse:
- Apura os teus ouvido e ouça o que estão dizendo.
E escutei de novo. Enquanto estava sentado, te louvam. Quando eu disse estas coisas, o
Salvador disse:
- “Te disse que estes são cegos e surdos. Escuta, pois, agora as que estão dizendo de forma
misteriosa e conservá-as. Não as diga aos filhos deste mundo, pois eles blasfemariam contra
ti neste mundo, já que eles não te conhecem, mas louvar-te-ão assim que te conhecerem”.
Heresias em torno ao grupo. Primeiro conjunto de adversários: gnósticos desviados da
verdade originária
Na verdade, muitos, no início, acolherão as nossas palavras, mas logo se distanciarão delas,
por vontade do pai de seu erro, porque terão feito o que ele quis. Mas Deus lhes revelará em
juízo, quer dizer, aos servidores da Palavra. No entanto, os que se ajuntarem a eles serão
seus prisioneiros, porque estão privados de conhecimento.
Aquele que é inocente, bom e puro, é por eles entregue ao carrasco e ao reino daqueles que
louvam o Messias restaurado. Eles louvam os homens que propagam a mentira, aqueles que
virão depois de ti. Eles se aderirão ao nome de um morto, pensando que serão purificados
por esse nome. Ao contrário, ficarão impuros e cairão em nome do erro em mãos de um
homem malvado e astuto, em dogmas multiformes, e serão governados na heresia.
Outro grupo gnóstico
Acontecerá que alguns deles blasfemarão da verdade e proclamarão uma doutrina falsa.
E dirão coisas más uns contra os outros. Alguns desses serão chamados de “aqueles que
estão sob o poder dos arcontes”, os que procedem de um homem e uma mulher nua, de uma
multidão de formas e grande variedade de sofrimento.
E acontecerá que os que dizem estas coisas explorarão os sonhos. E se afirmam que um
sonho tem sua procedência de um demônio, digno de seu erro, então receberão a perdição
em vez da incorrupção.Com efeito, o mal não pode produzir um fruto bom. Uma vez que do
lugar de onde vem, cada um atrai o que a si se assemelha, pois nem toda alma é da verdade
ou da imortalidade. Cada alma deste mundo tem como destino a morte, segundo a nossa
opinião, porque é sempre uma escrava, visto que foi criada para servir a seus desejos, e o
seu papel é a destruição eterna: nela se encontra e dela deriva. As almas amam as criaturas
da matéria, vindas à existência com elas.
Mas as almas imortais não se assemelham a estas, ó Pedro. E quando ainda não é chegada
a hora da morte, acontecerá que a alma imortal se parecerá com uma mortal. Mas ela não
revelará a sua natureza, que é somente imortal, mas pensa na imortalidade. Tenha fé e
deseja abandonara estas coisas.
Em verdade, quem é inteligente não colhe figos de cardos ou espinhos, nem uvas de plantas
espinhosas. Certamente, o que se produz sempre está dentro daquilo que produz. O que
procede do que não é bom, resulta ser para a alma destruição e morte. Mas esta, a alma que chega a ser no Eterno, se encontra na Vida, e na imortalidade da vida, a qual se assemelha. Portanto, tudo o que existe não se dissolverá no que não existe. A surdez e
cegueira se unem somente com os seus semelhantes.
Também outro grupo gnóstico
Outros, no entanto, converter-se-ão das palavras más e dos mistérios que extraviam.
Alguns que não entendem os mistérios, falam de coisas que não entendem. Gabam-se de
ser os únicos que conhecem o mistério da Verdade, e, cheios de orgulhos, agarram-se
à insolência, invejando a alma imortal, que se tornou entretanto uma garantia. Já que
toda potestade, dominação e poder dos eons desejam estar eles (as almas imortais dos
gnósticos) na criação do mundo, de modo que aqueles (as potestades/forças) que não são,
esquecidas pelas que são (as almas imortais), os louvem, embora não tenham sido salvas
pelas potestades, nem levadas ao caminho (saída do mundo), desejando sempre chegar a ser
imortais. Porque quando a alma imortal se fortalece com o poder de um espírito intelectual
(um gnóstico), eles (as potestades/forças), imediatamente, fazem com que a alma imortal
torne-se semelhante a um dos extraviados (da doutrina gnóstica).
Outro grupo gnóstico
Pois muitos, que se opõem à verdade e são os mensageiros do erro, conspiram com seu erro
e sua lei contra estes pensamentos puros que provêm de mim, partindo do ponto de vista, a
saber, que o bem e o mal procedem da mesma raiz. Eles fazem negócio com a minha palavra,
e anunciam um duro Destino: a raça das almas imortais caminhão em vão, até a minha
parusia. Por conseguinte, do meio deles sairão (pessoas que não seguem a minha palavra).
E o perdão de seus pecados, nos quais caíram por culpa de seus adversários, os quais
eu resgatei da escravidão a que se encontravam, dando-lhes a liberdade. E eles agem de
modo a criar uma imitação do verdadeiro perdão, em nome de um defunto, Hermas1, dos
primogênitos injustiça (Satanás), para que a luz existente não seja vista pelos pequenos
(os verdadeiros). No entanto, os que pertencem a esse gênero de pessoas serão
lançados nas trevas exteriores, longe dos filhos da luz. Por conseguinte, nem eles entrarão,
nem tampouco permitem aos que querem receber a sua libertação.
Outro grupo.
Também gnósticos, também errados
E ainda outros deles, que sofrem, pensam que conseguirão a perfeição da vivência
comunitária (ser Igreja) que realmente existe, a saber, a união espiritual com os que estão
em comunhão, através da qual se revelará o matrimônio da imortalidade (igualdade da
essência com o Salvador). Mas, em vez disso, se manifestará uma fraternidade feminina
(falsa e imperfeita) como imitação. Estes são os que oprimem os seus irmãos, dizendo-lhes:
“Por meio disso (sua doutrina), nosso Deus tenha piedade, pois a salvação chega a nós
somente por isso”. E eles não conhecem o castigo daqueles que se alegram por aqueles que
fizeram isto aos pequenos (os verdadeiros), que vieram (outros que também agem em
nome de Yeshua) e fizeram prisioneiros (os gnósticos).
Outro grupo de adversários: os eclesiásticos
E existem também outros, que não dos nossos, que se chamam a si mesmos de bispos e
também diáconos, como se tivessem recebido essa autoridade de Deus. Eles são julgados por
ocuparem os primeiros lugares na assembléia. Essa gente, eles são canais vazios.
Mas eu disse:
- “Diante do que me disseste, eu tenho medo, a saber, que são poucos, como veremos, os que
estão fora do erro, enquanto muitos viventes serão induzidos ao erro e ficarão divididos. E
quando pronunciarem o seu nome, serão considerados dignos de fé”.
E o Salvador disse:
- “Governarão sobre os (gnósticos) por um tempo para eles determinado, em
proporção ao erro deles. E depois que se complete o tempo de seu erro, o tempo que nunca
envelhece renovará o pensamento imortal; E os pequenos governarão sobre os que agora
governam sobre eles. E o tempo que não envelhece extirpará o erro deles pela raiz e expô-loá
à vergonha. E se revelará a desvergonha que ela (a classe dos eclesiásticos) teve sobre si. E acontecerá que os pequenos serão imutáveis, ò Pedro. Eia, vamos! Cumpramos a vontade
do Pai incorruptível. Com efeito, eles verão a sentença contra eles (os eclesiásticos), os quais
ficaram cairão em desgraça. Mas, quanto a mim, eles não poderão tocar-me. Mas tu, ò
Pedro, estarás no meio deles. Não temas por causa da covardia deles. A inteligência deles
será limitada, pois o Invisível lhes fará oposição.”