quinta-feira, 11 de agosto de 2016

ERA O VERBO UM DEUS? – ANÁLISE DE JOÃO 1:1 A PARTIR DA TEORIA DA RELEVÂNCIA

Resumo:Uma das grandes questões na teoria da tradução diz respeito ao nível de interferência permissível ao tradutor na busca de melhor esclarecer ao leitor do texto traduzido as nuances, conflitos, perturbações e até ambiguidades possivelmente existentes no texto original. Já ao crítico da tradução cabe procurar identificar, ao confrontar texto original e texto traduzido, o quanto o primeiro foi alterado, suavizado, explicado, interpretado, etc. pelo tradutor e, se possível, os motivos que o levaram a isso. Este trabalho, a partir de uma das passagens mais polêmicas na tradução do Novo Testamento da Bíblia (o primeiro versículo do primeiro capítulo do Evangelho de João), procura identificar um campo de aplicação para a teoria da relevância de Sperber e Wilson, concebendo-a como uma ferramenta de auxílio tanto ao tradutor quanto ao crítico da tradução. Palavras-chave: pragmática; teoria da relevância; tradução; criticada tradução. ________________________________________________________________________________________________________________________________________________ 1 UMA QUERELA ANTIGA Era o Verbo um deus? Uma grande maioria prefere “o Verbo era Deus”, enquanto que outros sugerem “o Verbo era divino”. Esta é uma querela que já dura dois mil anos e originou-se com João, um dos doze apóstolos de Jesus de Nazaré. Esse fragmento original em grego compõe o primeiro versículo do primeiro capítulo de seu evangelho (João 1:1) e é um desses casos notáveis de problemas de compreensão que se reflete na tradução. Apesar de sua simplicidade literária e gramatical, deu origem a uma das primeiras dissensões no cristianismo, o arianismo, e foi responsável pelo Concílio de Nicéia em 325 d.C.. Neste trabalho, partindo do texto grego original, analisarei essa passagem bíblica à luz da teoria da relevância, com o propósito de avaliar as potencialidades dessa teoria na tradução e na crítica da tradução. Inicialmente, analisarei cada um dos elementos que compõem o processo cognitivo denominado de relevância para, em seguida, fazer a aplicação prática no texto de João. _______________________________________________________________________________________________________________________________________________ Era o verbo um Deus?... Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 5, n. esp., p. 83-111, 2005 2 RELEVÂNCIA Relevância é uma palavra usual nas línguas latinas,assim como no inglês: relevance, que a adotou do latim medieval. Seu significado está associado com o de realce, saliência, relevo, grau de valor ou de importância e tem como sinônimo a palavra pertinência. Sperber e Wilson, cientes dos significados já estabelecidos na língua inglesa para relevance, ao adotá-la, necessitaram estabelecer um significado técnico específico para ela. Antes de embarcarmos neste projeto, gostaríamos de tornar claro o que estamos tentando fazer e o que não estamos. Não estamos procurando definir a popular palavra inglesa ‘relevance’. ‘Relevance’ é um termo difuso, utilizado de maneiras diferentes por diferentes pessoas, ou pelas mesmas pessoas em diferentes momentos. Ela não tem um correspondente em algumas línguas. Não há motivos para acharmos que uma análise semântica apropriada da palavra inglesa ‘relevance’ também consiga caracterizar um conceito da psicologia científica. Cremos, no entanto, que a psicologia científica precisa de um conceito bastante próximo da noção de relevância na linguagem popular; em outras palavras, acreditamos que existe uma importante propriedade psicológica – uma propriedade dos processos mentais – que a noçãopopular de relevância se aproxima razoavelmente e que, portanto, torna-seapropriado denominála também de relevância, utilizando agora o termo num sentido técnico. O que estamos procurando fazer é descrever esta propriedade: isto é, definir relevância como um conceito teórico útil. Assumimos que as pessoas possuem intuições de relevância: que elas conseguem distinguir, de forma consistente, uma informação relevante de outra irrelevante ou, em alguns casos, uma informação mais relevante de outra menos relevante. O fato de existir, na linguagem popular, uma noção de relevância com um significado difuso e variável,resulta mais em um inconveniente do que em uma ajuda. (2003, p. 119 (190-191)) 1 __________________________________________________________________________________________________________________________________________ A citação, embora longa, ilustra bem o que vem acontecendo com freqüência na lingüística: a criação de novos conce itos teóricos e suas identificações mediante palavras já existentes, cuj o significado popular se aproxima imperfeitamente do novo conceito teórico. No caso particular da teoria da relevância, o problema de significado não se limita à palavra relevância. Ele se estende também para outras palavras utilizadas na própria conceituação técnica de relevância , como: estímulo ostensivo, ambiente cognitivo e efeito contextual (cognitivo). Embora, neste artigo, eu trabalhe com o conceito derelevância de acordo com os trabalhos de Sperber e Wilson e explore suas aplicações na crítica da tradução – translation criticism, o foco de minha análise se centrará no processo cognitivo inferencial explicado pela teoria. Para isso, faz-se necessário um entendimento dos conceitos atribuídos para as palavras-chave vistas acima, que descrevem este processo. A partir dos significados estabelecidos para cada uma delas, descreverei esse processo inferencial, visando a sua aplicação em análises textuais, tais como as que ocorrem nos processos de tradução e de crítica da tradução. 2.1 Estímulo ostensivo No livro Relevance: communication & cognition, Sperber e Wilson encerram o capítulo 1 com a definição de comunicação inferencial ostensiva: Comunicação inferencial ostensiva: o comunicador produz um estímulo que torna mutuamente manifesto para o comunicador ea audiência aquilo que o comunicador pretende, ou seja, tornar manifesto ou mais manifesto para a audiência, por meio deste estímulo, um conjunto de suposições I. (2003, p. 63 (112)) Essa definição é retomada no capítulo 3 para desenvolver o princípio da relevância e de presunção de relevância ótima: Presunção de relevância ótima: (a) O conjunto de intenções Ique o comunicador tenciona tornar manifesto ao destinatário é suficientemente relevante para fazer com o que o destinatário julgue valer a pena processar o estímulo ostensivo. _________________________________________________________________________________________________________________________________________ Era o verbo um Deus?... Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 5, n. esp., p. 83-111, 2005 (b) O estímulo ostensivo é o mais relevante que o comunicador podia utilizar para comunicar I. (2003, p.157 (242)) Como informação complementar, devo adicionar que essa definição de presunção de relevância ótima, apresentada por Sperber e Wilson na edição de 1986 e 1995, foi revisada no Postface publicado no final da edição de 1995 e que reproduzo a seguir: Presunção de relevância ótima(revisada) (a) O estímulo ostensivo é suficientemente relevante para justificar o esforço do destinatário para processá-lo. (b) O estímulo ostensivo é o mais relevante e compatível com as habilidades e preferências do comunicador. (2003, p. 270) 2 O termo estímulo, por sua vez, carrega um sentido técnico estabelecido derivado da psicologia comportamental. Sua utilização consagrada pelo behaviorismo pode, inclusive, causar estranheza ao se associar a uma teoria cognitivista. Segundo o Webster’s New World College Dictionary, a palavra estímulo significa “alguma coisa que desperta ou incita à ação ou a um aumento de ação”. O mesmo dicionário apresenta uma definição particularizada pela psicologia: “qualquer ação ou agente que cause ou mude uma atividade em um organismo, órgão, ou parte, como alguma coisa que excite um órgão final, inicie um impulso nervoso, ative um músculo, etc.”. A comparação entre as duas definições é fundamental para a compreensão correta da palavra estímulo. Na primeira, temos simplesmente um princípio universal que se aplica tanto ao comportamento humano como à física. Um estímulo produz uma resposta, assim como para toda ação existe uma reação. Porém, o que a psicologia behaviorista fez foi, a partir da Lei do Efeito , condicionar comportamentos a partir de estímulos repetitivos (GOULART, 1987, p. 48). Uma simples redução da realidade psicológica. Sem o reducionismo de condicionamento do comportamento, Sperber e Wilson utilizam estímulo no sentido psicológico. Isso fica bem claro na seguinte passagem. _______________________________________________________________________________________________________________________________________ Os psicólogos utilizam o termo ‘estímulo’ para qualquer modificação provocada no ambiente físico com a finalidade de ser percebida. Faremos o mesmo. Um enunciado no sentido usual é, naturalmente, um caso especial de estímulo. Diremos, então, que comunicação envolve a produção de um determinado estímulo com as seguintes intenções: Intenção informativa: informar ao destinatário a respeito de alguma coisa; Intenção comunicativa: informar ao destinatário de uma intenção informativa. (2003, p. 29 (65)) Vejamos agora o significado para ostensivo. De acordo com o Webster’s New World College Dictionary, a palavra inglesa ostensiveorigina-se do francês ostensif e significa “apontando diretamente para fora, clar amente demonstrativo”. Para Sperber e Wilson, no entanto, ostensivotem um significado um pouco mais elaborado. [...] Então o comportamento de Pedro tornou manifesto à Maria que ele tenciona tornar-lhe manifestas algumas suposições d eterminadas. Denominaremos este comportamento – um comportamento que torna manifesto uma intenção de tornar alguma coisa manifesta – comportamento ostensivo, ou simplesmente ostensão. Mostrar alguma coisa a alguém é um caso de ostensão. Da mesma forma, afirmamos, é uma comunicação intencional. (2003, p. 44 (93)) Do comentário acima, concluímos que ostensão, segundo a teoria da relevância, é um comportamento que tem por objetivo chamar a atenção de alguém para uma intenção que se deseja tornar manifesta. Mais adiante, Sperber e Wilson declaram: Um ato de comunicação para ser bem sucedido deve atrair a atenção da audiência. Neste sentido, um ato de ostensão é um pedido de atenção. (2003, p. 155 (239)) Compreendido o sentido dado para ostensivo na teoria da relevância, necessitamos associá-lo a estímulo para podermos ter a realização do ato ostensivo. Conseqüentemente, estímulo ostensivo é um ato (físico: gestual, oral ou escrito) com a intenção de provocar a atenção no destinatário para uma intenção comunicativa por parte da pessoa que oproduziu. Nesse sentido, 88 Era o verbo um Deus?... Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 5, n. esp., p. 83-111, 2005 podemos entender estímulo ostensivo como um fenômeno ou perturbação em um determinado ambiente, que produz uma reação de modo a satisfazer duas condições: (a) atrair a atenção e (b) focalizar a intenção contida no estímulo. Robyn Carston elaborou um pequeno glossário da teoria da relevância em seu livro Thoughts and utterances e define o verbete ostensive phenomenon da seguinte maneira: fenômeno ostensivo:um estímulo ou comportamento que torna manifesta uma intenção de tornar uma suposição, ou suposições, manifesta; isto é, um comportamento suportado por uma ‘intenção comunicativa’. (2002, p. 378) Em trabalho mais recente, Wilson e Sperber (2004, p. 607-632) 3 definem mais objetivamente estímulo ostensivo como um fenômeno (olhar, gesto, som, enunciado verbal ou escrito) realizado para atrair a atenção de uma audiência e focalizando-a no significado do comunicador. ______________________________________________________________________________________________________________________________________ Ambiente cognitivo Embora o conceito de ambiente cognitivo seja essenc ial para a compreensão da teoria da relevância, tem sido um conceito mais utilizado do que explicado. Sperber e Wilson, Carston e Blakemore são lacônicos quando se referem a ele. · “Um ambiente cognitivo de um indivíduo é um conjunto de fatos que lhe são manifestos”. (SPERBER e WILSON, 2003, p. 39 (80)) · “Ambiente cognitivo (de um indivíduo): o conjunto de suposições que são manifestas a um indivíduo em um determinado momento”. (CARSTON, 2003, p. 376) · “De acordo com Sperber e Wilson, denominamos de ambiente cognitivo o conjunto de suposições que você consegue formar” . (BLAKEMORE, 1992, p. 28) Ernst-August Gutt é quem torna as coisas um pouco mais claras quando, a partir do conceito de contexto de Sperber e Wilson, amplia a noção de ambiente cognitivo. ____________________________________________________________________________________________________________________________________ Antes de continuar a discussão sobre relevância e efeitos contextuais, necessitamos deixar claro o que entendemos por contexto, que é uma palavra utilizada com diferentes significados por diferentes pessoas. Na teoria da relevância, contexto é entendido como “o conjunto de premissas utilizadas na interpretação de um enunciado” (Sperber e Wilson1986a:15). Como tal, ele é, na teoria da relevância, uma noção psicológica: refere-se a um subconjunto das crenças do ouvinte a respeito de mu ndo – mais precisamente, refere-se a uma parte do ambiente cognitivo do ouvinte. O ambiente cognitivo é uma noção bastante compreensiva: o ambiente de um indivíduo consiste em todos os fatos que um indivíduo é capaz de representar em sua mente e de aceitá-las como verdade ou prováveis verdades. A fonte desta informação pode ser a percepção (visão, audição, etc.) memória, ou inferência, que pode fazer uso das informações das outras duas fontes. (1992, p. 22) Finalmente, para completar o quadro relativo ao ambiente cognitivo, necessito acrescentar a idéia, utilizada por Sperber e Wilson, de fato manifesto. Um fato é manifesto a um indivíduo em um determinado momento se e somente se ele for capaz, neste momento, de representá-lo mentalmente e aceitar esta representação como verdade ou provávelverdade. [...] Ser manifesto, então, é ser perceptível ou inferenciável. O ambiente cognitivo total é o conjunto de todos os fatos que um indivíduo pode perceber ou inferir: todos os fatos que lhe são manifestos. Um ambiente cognitivo total de um indivíduo é uma função de seu ambiente físico e suas capacidades cognitivas. Ele consiste não somente de todos os fatos de que ele tem consciência, mas também de todos os fatos de que poderá tomar consciência em seu ambiente físico. A consciência real dos fatos pelo indivíduo, isto é, o conhecimento que já está adquirido, naturalmente contribui para sua capacidade de tomar consciência de fatos adicionais. A informação memorizada, naturalmente, é um componente das capacidades cognitivas. (2003, p. 39 (79-80)) Podemos, agora, estabelecer nosso próprio quadro de ambiente cognitivo, destacando alguns de seus principais elementos constitutivos. Temos o contexto como uma de suas partes fundamentais, visto que dele se derivam as implicaturas. Por contexto, entendem-se todas as informações acessíveis a 90 Era o verbo um Deus?... Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 5, n. esp., p. 83-111, 2005 uma pessoa, incluindo informações sócio-culturais, históricas, situacionais, crenças, visões de mundo, etc. (ibidem , p. 15-16 (45-46)). Temos ainda, segundo Sperber e Wilson, a capacidade cognitiva de fazer inferências e deduções a partir do conhecimento. Podemos acrescentar, para completar o quadro, a capacidade de processar informações, a memória e os mecanismos cognitivos como os da teoria dos esquemas. __________________________________________________________________________________________________________________________________________ 2.3 Efeito contextual Iniciarei a análise de efeito contextual, partindo da definição dada por Carston em seu Glossário da teoria da relevância: Efeitos contextuais: o resultado de uma frutífera (isto é, relevante) interação entre um estímulo perturbador e um subconjunto de suposições já existentes no sistema cognitivo; existem três tipos principais de efeitos contextuais (cognitivos): suporte e fortalecimento de suposições existentes, contradição e eliminação de suposições, combinações inferenciais de forma a produzir novas conclusões. (2002, p. 377) O efeito contextual é, portanto, o resultado de uma operação cognitiva com base em uma interação ou perturbação ocorrida no ambiente cognitivo do receptor (destinatário, leitor, espectador). Essa perturbação nada mais é do que uma resposta a um enunciado atuando como estímulo. Esse mesmo enunciado pode perturbar o ambiente cognitivo anterior de três maneiras. Se houver uma combinação de informações novas com as existentes no ambiente cognitivo, mediante um processo inferencial, result ará em um novo conhecimento, levando o destinatário de um estado conhecido para um estado até então desconhecido. Se a informação proveniente do estímulo for conhecida, ela fortalecerá o conhecimento prévio do indivíduo. Por fim, se a informação proveniente do estímulo contradisser um conhecimento prévio poderá resultar em anulação ou apagamento de suposições. Esse é o entendimento expresso por Gutt: Tecnicamente, modificações no contexto são referidas como efeitos contextuais, e estes podem ser de três tipos: eles podem consistir na derivação de implicações contextuais, no fortalecimento, ou confirmação, Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 5, n. esp., p. 83-111, 2005 de suposições já existentes, ou na eliminação de suposições devido a uma contradição. (2000, p. 29) Ainda sobre efeitos contextuais, há um ponto fundamental para o qual Sperber e Wilson chamam a atenção: O tipo de efeito em que estamos interessados é o resultado da interação entre uma informação nova e outra antiga. Este tipo de efeito já foi discutido. Implicações contextuais são efeitos contextuais: eles resultam de uma interação crucial entre informações novas e antigas funcionando como premissas numa implicação sintética. (2003, p. 109 (175)) O que Sperber e Wilson estão procurando destacar nesse comentário é que um enunciado ou informação, para produzir efeitos contextuais em um ambiente cognitivo, tem de ter alguma relação com as informações nele existentes. Conforme mostrarei mais adiante, tem de ser relevante. Adicionalmente, uma informação nova que apenas duplica uma existente, ou não possui com essa informação existente qualquer relação, não produz efeitos contextuais. Ou seja, essa informação nova não tem efeito sobre o ambiente cognitivo; não o perturba, não o modifica, não o aperfeiçoa, simplesmente por não haver interação. _________________________________________________________________________________________________________________________________________ Juntando tudo I Após ter examinado, em separado, três elementos fundamentais para a teoria da relevância ( estímulo ostensivo, ambiente cognitivo e efeitos contextuais), chego ao momento de reuni-los para entendermos como se relacionam. Primeiramente, convém repetir, efeitos contextuais são resultados não somente do estímulo ostensivo, ou do ambiente cognitivo, mas da combinação de ambos, conforme indica Gutt: Um efeito contextual é uma modificação do ambiente cognitivo de alguém e que não teria sido conseguido apenas pelo estímulo, nem pelo contexto sozinho, mas somente pela combinação inferencial de ambos. (1992, p. 22) 92 Era o verbo um Deus?... Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 5, n. esp., p. 83-111, 2005 Temos, então, um enunciado que se manifesta como um estímulo ostensivo e atua sobre um ambiente cognitivo, produzindo efeitos contextuais mediante a interação entre ambos (estímulo e ambiente cognitivo). A compreensão dessa asserção deve estar clara, a esta altura, devido às explicações anteriores dos três elementos em que ela se fundamenta. Porém, a razão dessas explicações não foi apenas para tornar esta declaração inteligível, embora esta tenha sido uma delas, mas de fornecer um fundamento para o entendimento de como funciona a relevância, segundo a teoria de Sperber e Wilson. ______________________________________________________________________________________________________________________________________ Primeiramente, os dois autores partem do efeito contextual para caracterizar o conceito de relevância. Para eles, relevância é uma propriedade psicológica inata – uma propriedade dos processos mentais – e responsável pelos efeitos contextuais. As pessoas tendem a prestar atenção aos fenômenos que são relevantes (produzem efeitos contextuais) e os processam de forma a maximizar essa relevância. Em segundo lugar, o que não é relevante não produz efeitos contextuais por não interagir com o ambiente cognitivo. Dito de outra maneira, para se ter algum efeito contextual dentro de um contexto, necessitase que o estímulo esteja associado com algo relevante. Desse raciocínio, resulta o princípio embrionário de relevância: Uma suposição é relevante em um contexto se e somente se ela produz algum efeito contextual neste contexto. (2003, p. 122 (194)) Esta definição básica é desenvolvida e ampliada para relevância ótima em que todo estímulo ostensivo pressupõe uma relevância, resultando no princípio da relevância: Princípio da relevância Todo ato de comunicação ostensiva comunica a presunção de sua própria relevância ótima. (2003, p. 158 (242)) Porém, o que mais nos interessa neste trabalho é o aperfeiçoamento do princípio embrionário que relaciona relevância com contexto. Este aperfeiçoamento se dá pela associação com o conceito de produtividade. Este conceito, fundamental no mundo empresarial, inerente às nossas características biológicas e cognitivas, auxilia a entender relevância como algo relativo, pois conforme reconhecem Sperber e Wilson, “relevância é uma questão de grau” ______________________________________________________________________________________________________________________________________ O princípio de produtividade nos ensina que em qualquer processo, seja mental ou físico, sempre tendemos a obter o máximo de resultado com o mínimo de esforço. Da mesma forma, no processo mental de produzirem-se efeitos contextuais, devido à interação de um estímulo em um ambiente cognitivo, busca-se maximizar a relevância procurando-se obtero maior número de efeitos contextuais com o menor esforço possível. Chegamos, assim, acredito, a um ponto em que se torna fácil compreender o que Sperber e Wilson querem dizer com princípio da relevância conforme definido no Postface da segunda edição de livro Relevance e denominado de primeiro princípio de relevância (um princípio cognitivo). 4 Relevância para um indivíduo(comparativa) Condição de extensão 1: Uma suposição é relevante para um indivíduo na medida em que forem grandes os efeitos cognitivos positivos conseguidos quando é processada otimamente. Condição de extensão 2: Uma suposição é relevante para um indivíduo na medida em que os esforço para atingir esse efeito cognitivo seja pequeno. (2003, p. 265-266) 5 Resumindo, um estímulo ostensivo, pressupondo um conjunto de suposições I relevantes, interage com o ambiente cognitivo do destinatário e resulta em um número de efeitos contextuais tanto maior quanto maior for sua relevância. O processamento é maximizado quando produz o maior número possível de efeitos contextuais, com o menor esforço despendido. Na seqüência, procurarei ilustrar de forma prática os conceitos associados com a teoria da relevância. Para isso utilizarei, conforme estabelecido no início deste trabalho, o texto de João 1:1 do Novo Testamento, por tratar-se de um texto polêmico quanto a sua tradução. _____________________________________________________________________________________________________________________________________ (A alteração, em relação ao texto inicial é mais determinologia e não é substancial. Nota-se um cuidado em diferenciar-se princípio cognitivo de princípio comunicativo, dividindo-se o princípio da relevância em dois. O primeiro princípio é cognitivo, enquanto que o segundo é comunicativo. Na primeira edição não havia essa distinção. O que de fato ocorre no Postface é a renomeação de Relevância de um fenômeno (comparativa) para Primeiro Princípio da Relevância e denominado de Relevância para um indivíduo (comparativa). O que foi denominado de Princípio da Relevância na edição de 1986, passou a ser o Segundo Princípio da Relevânciano Postface de 1995 e renomeado para Presunção de relevância ótima (revisado). Trata-se, de um modo geral, de modificações ceteris paribus. O Postface não foi incluído na edição portuguesa. Sua traduçãocompõe este número especial de Linguagem em (Dis)curso.) __________________________________________________________________________________________________ Era o verbo um Deus?... Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 5, n. esp., p. 83-111, 2005 3 O TEXTO DE JOÃO 1:1 O texto que utilizarei para exemplificar os vários conceitos envolvidos na teoria da relevância é o início do Evangelho de João, parte do Novo Testamento da Bíblia, identificado como João 1:1. Os quatro Evangelhos do Novo Testamento (Mateus, Marcos, Lucas e João), escritos no primeiro século de nossa era, são descritos como um tipo de forma literária por Arthur G. Patzia. Muito poucos duvidam que os evangelistas foram influenciados pelas convenções literárias de seus dias ou que determinadas características da literatura antiga ajuda-nos a entender mais claramente a natureza dosEvangelhos. Porém as diferenças significativas têm levado muitos eruditos contemporâneos a caracterizar os Evangelhos como um “subgênero”, “subtipo” ou “subgrupo” das formas literárias antigas. Como tal, eles constituem um di stinto – mas não único – gênero entre os escritos antigos. Eles poderiam ser descritos como “manuais teológicos” ou “biografias teológicas”. (1995, p. 58) João, à maneira de Mateus, Marcos e Lucas, escreve sobre Jesus de Nazaré, relatando parte de sua vida na Judéia e seus ensinamentos. Porém, o propósito especial desses quatro relatos é o de fortalecer a imagem de Jesus como o Messias esperado pelos judeus, como filho de Deus e salvador da humanidade. Tal mensagem foi dirigida não somente aos judeus, mas também às demais nações. Para isso, todos os livros que compõem o Novo Testamento estão escritos em grego koine. Na época, o grego koine desempenhava um papel de língua franca, semelhante ao papel do inglês dos dias atuais. A seguir, apresento o primeiro versículo do Evangelho de João no original grego, A tradução interlinear é importante em um trabalho de crítica da tradução porque permite ao leitor enxergar a palavra original que está por trás da palavra inserida na tradução (BeDUHN, 2003, p. 12). Para o tradutor, o exegeta e o crítico de tradução, as traduções interlineares editadas têm sido uma excelente ferramenta de trabalho. Acompanhando cada palavra grega original, inseri a correspondente transliteração para caracteres latinos como auxílio para os leitores não familiarizados com o grego. ______________________________________________________________________________________________________________________________________ Uma palavra adicional. Na tradução interlinear do grego, costuma-se: traduzir todos os artigos definidos, mantendo-os na tradução (devido às particularidades da língua grega quanto a utilização do artigo definido); não adicionar artigos indefinidos, a não ser quando acompanhados de algum sinal indicativo de inserção como colchetes ou parênteses (não existe artigo indefinido no grego); e, ignorar determinadas partículas por não possuírem equivalentes em línguas como o inglês, português, francês, etc. (por exemplo, o par me... de). Já na tradução normal, exige-se uma habilidade lingüística e textual do tradutor para saber quando eliminar artigos definidos e quando inserir artigos indefinidos. É aqui que reside o perigo. ______________________________________________________________________________________________________________________________________ Era o verbo um Deus?... Linguagem em (Dis)curso - LemD, Tubarão, v. 5, n. esp., p. 83-111, 2005 Nas minhas duas traduções pessoais, para o português e latim, preferi manter todas as palavras em letras minúsculas, inclusive deus. Na época em que os originais foram escritos e conforme atestado pelos manuscritos existentes, não havia tal diferenciação na língua grega escrita. Os textos gregos eram escritos utilizando-se somente maiúsculas (chamada de escrita uncial) e sem separação entre as palavras. Somente alguns séculos mais tarde introduziram-se as minúsculas, 9 a separação entre palavras e a prática de iniciar algumas palavras por letra maiúscula. A rigor, a introdução de maiúsculas na tradução interlinear corresponde a uma determinação a priori de interpretação do tradutor, em detrimento da integridade do original que não apresenta tal diferenciação. Além do texto original em grego e de algumas traduções interlineares, incluo, a seguir, algumas de suas traduções publicadas em diferentes traduções da Bíblia, com indicação da fonte correspondente. Estas traduções apresentam as necessárias adequações sintáticas e de equivalência textual, além de, em alguns casos, a tendenciosidade do tradutor. 10 (1) In principio erat Verbum et Verbum erat apud Deum et Deus erat Verbum. (2) No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. (3) No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus, e a Palavra era Deus. (4) No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com o Deus, e a Palavra era [um] deus. _________________________________________________________________________________________________________________________________________ O estímulo ostensivo em João 1:1 Enquanto que nos outros três evangelhos seus autores (Mateus, Marcos e Lucas) procuram apresentar evidências de que Jesus de Nazaré é o Messias, estabelecendo sua genealogia até Davi, João surpreende pela ausência dessa genealogia e pela forma com que inicia seu evangelho. Suas primeiras palavras não apresentam Jesus como Messias, nem como herdeiro do trono de Davi, ou cordeiro de Deus, todas elas expressões semíticas com que os judeus estavam familiarizados a partir da Torah e de todo o Velho Testamento. Jesus é apresentado como ho logos ( o| lo qeo>j h#n o| lo qeo>j h#n o| lo

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

As armas de satanás para enganar o mundo nos últimos dias! (Projeto Blue beam).

Texto de referencia: Mattityahu (Mateus) 24: 27 – 44 Introdução: Existe um projeto da NASA que visa enganar toda humanidade e inclusive a igreja que deveria influenciar o mundo. O projeto Blue Beam, é um projeto diabólico que simulará a volta do Salvador com imagens holográficas transmitidas por Super projetos espaciais posicionados na orbita da terra. As imagens serão transmitidas simultaneamente por meio de satélites para o mundo inteiro, em um grande e assustador espetáculo aonde o céu será a tela. Essa aparição falsa do salvador deixará o mundo perplexo e consolidará a nova ordem mundial e o governo do anticristo enganando milhares de pessoas. Todo este show já esta sendo testado e sendo executado inclusive no Brasil que já foi cobaia em shows que se viu aparições como Renato Russo e Cazuza. Existem também falsas aparições no céu, assim como também sons que estão vindo do céu e despertado muita curiosidade na qual muitos acham ser sinais da volta do Messias Qual o propósito? Acabar com as religiões atuais, e unificar uma nova ordem mundial. E existe um poder por trás que não quer que isso venha a tona, e o projeto blue beam consolidar a nova ordem mundial, essa ordem visa criar uma única religião. O projeto blue beam é uma forma de força imposta pelo medo, que visam dominar as pessoas por meio da religião, o projeto tem conotação religiosa e negativa. O plano é afetar toda a humanidade. Os tipos de projeções que serão feita. holografias que são imagens que aparecerão no céu. Eles vão criar uma tela, e nessas telas aparecerá projeções de Jesus Cristo, Buda e Maomé para que haja unificação das religiões. Existem a imagem holográfica, que também está envolvendo som que é emitido nessas ultra baixa frequência e dá impressão que está falando dentro da sua cabeça, então você vai ver imagem e vai ouvir dentro da sua cabeça essas vozes falando na sua língua mostrando que o Messias voltou e coisas desse tipo. Conclusão. Você está preparado para enfrentar tudo isso e permanecer fiel sem negar a sua fé no Salvador?

Sete conceitos “bíblicos” que NÃO estão na Bíblia

Introdução é comum que diversos de nossos conceitos e visões de mundo se cristalizem, e se tornem para nós como verdades absolutas. Muitas vezes, podemos jurar que boa parte desses conceitos vêm da Bíblia. o passar do tempo, é comum que diversos de nossos conceitos e visões de mundo se cristalizem, e se tornem para nós como verdades absolutas. Muitas vezes, podemos jurar que boa parte desses conceitos vêm da Bíblia. Mas, nem sempre é o caso. Há inúmeros conceitos que, por mais que sejam populares, não vêm da Bíblia. Em vários casos, são conceitos que podem até mesmo ser heresia à luz do Texto Sagrado. Este artigo apresentará alguns dos mais comuns. Além de esclarecer o leitor, também objetiva abrir seus olhos, para que esteja disposto a sempre rever seus conceitos, buscando transformá-lo à luz do estudo das Escrituras. I – A Voz do Povo é a Voz de Deus Muita gente pensa que se a maioria entende algo de determinada maneira, isso significa que tal coisa é verdade. Daí o provérbio popular: “A voz do povo é a voz de Deus.” O provérbio pode ser popular, mas não é bíblico. Pelo contrário, a Torá diz: “Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem numa demanda falarás, tomando parte com a maioria para torcer o direito.” (Shemôt/Êxodo 23:2) Por diversas vezes, a voz da maioria na própria Bíblia foi negativa aos olhos do Eterno. Como, por exemplo, quando o povo de Israel queria matar Yehoshua` (Josué) e Kaleb (Calebe) por trazerem um relato de que a terra da promessa era boa (vide Nm. 14) II – Impureza/Imundícia Cerimonial é Pecado Na cultura politeísta, acreditava-se que os lugares altos e templos fossem literalmente casas onde os deuses repousassem. Da mesma forma que você sente repulsa de estar num lugar sujo, entendia-se que os deuses poderiam se afastar de tais lugares. Como isso era extremamente importante na cultura semita, era impossível que o culto ao Eterno não contemplasse isso. Estar imundo na presença do Eterno era considerado um desrespeito gravíssimo. Como a Casa do Eterno, ou o seu arraial, era um local no qual se entendia que Ele habitava, os filhos de Israel ficariam temerosos de que a impureza pudesse afastar a presença do Criador. No entanto, isso não tem a ver com pecado. Várias coisas corriqueiras poderiam causar impureza cerimonial, tais como a relação sexual de um casal (Lv. 11:32). Há casos em que a Torá até mesmo ordena que se alguém se torne impuro. Como, por exemplo, em caso de morte de familiar próximo a um sacerdote: “Depois disse ADONAY a Moshé: Fala aos sacerdotes, filhos de Aharon, e dize-lhes: O sacerdote não se contaminará por causa de um morto entre o seu povo, Salvo por seu parente mais chegado: por sua mãe, e por seu pai, e por seu filho, e por sua filha, e por seu irmão. E por sua irmã virgem, chegada a ele, que ainda não teve marido; por ela também se contaminará.” (Wayiqrá/Levítico 21:1-3) O contato com mortos traz impureza. Contudo, se impureza fosse pecado, a Torá não ordenaria que um sacerdote ficasse impuro. III – Salvação Espiritual Embora esse seja um conceito extremamente importante dentro do Cristianismo, o conceito de salvação espiritual não existe no Judaísmo. Até aí, tudo normal, afinal estamos falando de religiões diferentes. O problema é que, como o conceito cristão é culturalmente muito difundido, muitos passam a ler “salvação espiritual” todas as vezes em que a palavra “salvação” aparece no Tanakh (Bíblia Hebraica), que os cristãos chamam de “Velho Testamento”. No hebraico, o radical yashá` (יָשַׁע), que costuma indicar salvação ou livramento, aparece mais de 350 vezes. Mas sempre, invariavelmente, no contexto de livramento da mão de inimigos, de situações perigosas ou angustiantes. Por exemplo, o profeta diz: “Deveras em ADONAY nosso Elohim está a salvação de Israel.” (Yirmiyahu/Jeremias 3:23) Muitos tomam isso como uma promessa de salvação espiritual. Quando, todavia, buscamos o contexto dos profetas, encontramos: “Naqueles dias andará a casa de Yehudá com a casa de Israel; e virão juntas da terra do norte, para a terra que dei em herança a vossos pais.” (Yirmiyahu/Jeremias 3:18) Em outras palavras, o contexto é a volta do exílio, o fim da angústia da opressão de seus inimigos. No pensamento israelita, não existia a ideia de salvação espiritual, porque os israelitas sempre confiaram que o Eterno seria justo e misericordioso no seu julgamento. O objetivo deste artigo não é explorar as diferenças teológicas entre Judaísmo e Cristianismo, que são enormes. Até porque este é um site judaico, e não de debates interreligiosos. Mas até um exegeta cristão certamente concordaria que ler “salvação espiritual” quando aparece a palavra “salvação” nos salmos ou nos profetas é distorcer o contexto da mensagem. Afinal, como poderiam os autores falar de algo inexistente em sua própria cultura? IV – Dízimo é Mandamento Há, o tão polêmico mandamento do dízimo. Que, na realidade, não existe. Dízimo, no hebraico ma`assar ou ma`asser (מעשר), na realidade significa “um décimo”. Em outras palavras, dízimo é uma medida, e não um mandamento. Isso pode ser visto em passagens como, por exemplo: “Tereis balanças justas, efa justo e bato justo. O efa e o bato serão de uma mesma medida, de modo que o bato contenha a décima parte [ma`assar – מַעְשַׂר] do ômer, e o efa a décima parte do ômer; conforme o ômer será a sua medida.” (Ye’hezqel/Ezequiel 45:10-11) Observe que no contexto acima, a mensagem do profeta é sobre não se fazer alternação nas balanças, e nas medidas usadas para enganar o povo. Não há qualquer referência aos mandamentos que usam um décimo como medida. O que existem são mandamentos (no plural) que fazem uso da medida do dízimo. Por exemplo, o mandamento aos israelitas de darem a décima parte do que colherem e dos rebanhos (Lv. 27:30-32), o mandamento aos levitas de darem a décima parte do que receberam dos israelitas (Nm. 18:26). Ou ainda a décima-parte da colheita, a cada três anos, que deveria ser destinada a viúvas e pobres (Dt. 14:28-29) Por que isso importa? Porque muitos gananciosos tentam utilizar Gn. 14:20 para afirmar que, em suas palavras, “o mandamento do dízimo já existia antes do Sinai”. Ora, a única coisa que essa passagem diz é que a décima parte foi usada. Não há qualquer indicativo de um mandamento implícito à passagem, da mesma forma que o fato de Ye’hezqel (Ezequiel) fala da décima parte, sem qualquer referência a um mandamento. V – Dízimo de Dinheiro E por falar em dízimo, uma pergunta: O que cozinheiros, pedreiros, carpinteiros, pescadores, artesãos, ferreiros, escudeiros, oleiros, comerciantes e outros trabalhadores assalariados tinham em comum, nos tempos bíblicos? Nenhum deles dava dízimo de seus rendimentos! Os mandamentos dos dízimos (pois, como visto, são vários) não incidiam sobre pessoas, nem sobre dinheiro, e sim sobre a produção da terra (Lv. 27:30), e dos rebanhos (Lv. 27:32). Se tais pessoas mencionadas no primeiro parágrafo tivessem suas próprias plantações e rebanhos, seria delas que viriam os dízimos. Se não tivessem, nada estariam obrigadas a dar no tocante aos dízimos. A lógica era simples: A tribo de Levi não ganhou terras na partilha. Logo, não tinha condições de plantar e criar gato, para que pudessem se alimentar. Em troca, eles serviriam como juízes e mestres em Israel, além de trabalharem no Tabernáculo. O tempo que iriam gastar com plantio e com criação de gado poderia ser dedicado ao trabalho indicado. Tanto o dízimo nunca foi dado sobre dinheiro, que a Torá chega a dizer: “Certamente darás os dízimos de todo o fruto da tua semente, que cada ano se recolher do campo. E, perante ADONAY teu Elohim, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome, comerás os dízimos do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer a ADONAY teu Elohim todos os dias. E quando o caminho te for tão comprido que os não possas levar, por estar longe de ti o lugar que escolher ADONAY teu Elohim para ali pôr o seu nome, quando teu Elohim te tiver abençoado; Então vende-os, e ata o dinheiro na tua mão, e vai ao lugar que escolher ADONAY teu Elohim; E aquele dinheiro darás por tudo o que deseja a tua alma, por vacas, e por ovelhas, e por vinho, e por bebida forte, e por tudo o que te pedir a tua alma; come-o ali perante ADONAY teu Elohim, e alegra-te, tu e a tua casa; Porém não desampararás o levita que está dentro das tuas portas; pois não tem parte nem herança contigo.” (Debarim/Deuteronômio 14:22-27) Observe: Se a pessoa não pudesse levar os alimentos ao Templo, deveria vendê-los, e trocar por alimentos, mas não daria dinheiro aos sacerdotes. Antes, deveria fazer um banquete na presença do Eterno. VI – O mundo está cada vez pior A impressão de que o mundo está cada vez pior vem de duas coisas. A primeira: a maioria das pessoas tem uma vida mais fácil na infância, e a vida vai se complicando a partir da idade adulta. Logo, a pessoa está condicionada a achar que tudo que tudo tende a piorar. A segunda: Vivemos em plena revolução das telecomunicações, e temos acesso a uma enormidade de informações das quais éramos poupados. Se uma pessoa não assistisse a um noticiário, ou lesse um jornal, poderia passar meses achando que tudo está perfeito. Mesmo se tivesse acesso aos noticiários, frequentemente eram apenas resumos simples, sem mostrar muitas imagens, e que se ocupavam apenas de coisas consideradas mais relevantes. Isso quando não era propositadamente censurado. Hoje, se uma pessoa joga um filhote de koala no rio lá na Austrália, ficamos sabendo em questões de minutos. Isso também gera uma sensação de que o mundo está pior. A história, porém, não confirma essa impressão. Lembre-se que não muito tempo atrás, nas guerras mundiais, governos cometeram genocídios em massa, dizimando boa parte da população, com requintes de crueldade. E o que dizer da Idade Média? Ou do próprio Império Romano? Fato é que, pasme o leitor, na realidade, o mundo está melhor, e não pior. Muito do que era feito outrora a céu aberto, hoje geraria indignação. Claro, você pode estar numa situação pior, ou um país pode ter uma fase pior (como a crise brasileira), mas quando se considera a humanidade como um todo, a coisa muda de figura. Como se não bastasse o fato de que as estatísticas não confirmam essa impressão, ainda a própria Bíblia Hebraica diz, de maneira explícita: “Nunca digas: Por que foram os dias passados melhores do que estes? Porque não provém da sabedoria esta pergunta.” (Qohelet/Eclesiastes 7:10) Para bom entendedor, meia palavra basta. VII – Deus não dá fardo maior do que podemos suportar A ideia é linda. Pode até, dentro de certo contexto, fazer sentido. Mas, não é bíblica. Não existe na Bíblia Hebraica nenhum tipo de afirmação dessa natureza. Imagine um pai, assistindo à morte de seus filhos num campo de concentração nazista. Acaso poderíamos dizer que “Deus não deu a ele fardo que não pudesse suportar?” Essa ideia, na realidade, é uma grande heresia, porque pode acabar gerando nas pessoas as seguintes sensações: 1) A ideia de que tudo o que nos sobrevém é do Eterno. Na realidade, muitas vezes, o que vem a nós é fruto das escolhas da humanidade. Seja de terceiros, seja de parentes, ou seja de nós mesmos. Por exemplo, a Torá diz que se o povo de Israel andasse em rebeldia, o Eterno não os protegeria contra exércitos inimigos. O que, então ocorreria? “Teus filhos e tuas filhas serão dados a outro povo, os teus olhos o verão, e por eles desfalecerão todo o dia; porém não haverá poder na tua mão.” (Debarim/Deuteronômio 28:32) Aqui observamos a consequência das ações dos pais sobre seus próprios filhos. Da mesma forma que, se um de seus pais escolheu se entregar à bebedeira, talvez você tenha tido uma infância dificílima. Acaso ser agredido por um pai embriagado não é fardo pesado demais para ser suportado? 2) A falsa ideia de que tudo seja questão de perseverança. Muitas vezes, quando as coisas dão errado, é sinal de que o caminho está errado, e não de que você precise ter mais fé. Por exemplo, vemos a história de Moshé (Moisés): “E aconteceu que, no outro dia, Moshé assentou-se para julgar o povo; e o povo estava em pé diante de Moisés desde a manhã até à tarde.” (Shemôt/Êxodo 18:13) Sabemos pelo restante da narrativa que Moshé (Moisés) percebeu, através do sábio conselho de seu sogro, que estava fazendo errado de conversar com o povo um por um. Imagine se Moshé, ao invés de acatar o seu sogro, invocasse o chavão de que o Eterno não daria a ele fardo maior do que podia suportar? Moshé teria “perseverado” num caminho ruim, não por fé, mas por pura teimosia. Além disso, existem dezenas de passagens nas quais as pessoas na Bíblia passam por fardos muito maiores do que poderiam suportar. Por exemplo, Dawid (Davi) chega a dizer, quando foi traído por uma pessoa próxima: “Pois não era um inimigo que me afrontava; então eu o teria suportado; nem era o que me odiava que se engrandecia contra mim, porque dele me teria escondido.” (Tehilim/Salmos 55:13) (55:12* em algumas versões). Na verdade, quando entendemos que há fardos demasiadamente pesados para suportar, é nessas horas que entendemos que precisamos ainda mais do Eterno, ou mesmo do apoio de pessoas próximas, que nos ajudem a carregar tais coisas! Conclusão Como se pode ver, existem diversas ideias que, por mais que sejam populares, não necessariamente se fundamentam no Tanakh (Bíblia Hebraica). É importante deixar que as Escrituras falem por si, ao invés de tentarmos encaixar nossas próprias percepções no texto bíblico.