quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Sete conceitos “bíblicos” que NÃO estão na Bíblia

Introdução é comum que diversos de nossos conceitos e visões de mundo se cristalizem, e se tornem para nós como verdades absolutas. Muitas vezes, podemos jurar que boa parte desses conceitos vêm da Bíblia. o passar do tempo, é comum que diversos de nossos conceitos e visões de mundo se cristalizem, e se tornem para nós como verdades absolutas. Muitas vezes, podemos jurar que boa parte desses conceitos vêm da Bíblia. Mas, nem sempre é o caso. Há inúmeros conceitos que, por mais que sejam populares, não vêm da Bíblia. Em vários casos, são conceitos que podem até mesmo ser heresia à luz do Texto Sagrado. Este artigo apresentará alguns dos mais comuns. Além de esclarecer o leitor, também objetiva abrir seus olhos, para que esteja disposto a sempre rever seus conceitos, buscando transformá-lo à luz do estudo das Escrituras. I – A Voz do Povo é a Voz de Deus Muita gente pensa que se a maioria entende algo de determinada maneira, isso significa que tal coisa é verdade. Daí o provérbio popular: “A voz do povo é a voz de Deus.” O provérbio pode ser popular, mas não é bíblico. Pelo contrário, a Torá diz: “Não seguirás a multidão para fazeres o mal; nem numa demanda falarás, tomando parte com a maioria para torcer o direito.” (Shemôt/Êxodo 23:2) Por diversas vezes, a voz da maioria na própria Bíblia foi negativa aos olhos do Eterno. Como, por exemplo, quando o povo de Israel queria matar Yehoshua` (Josué) e Kaleb (Calebe) por trazerem um relato de que a terra da promessa era boa (vide Nm. 14) II – Impureza/Imundícia Cerimonial é Pecado Na cultura politeísta, acreditava-se que os lugares altos e templos fossem literalmente casas onde os deuses repousassem. Da mesma forma que você sente repulsa de estar num lugar sujo, entendia-se que os deuses poderiam se afastar de tais lugares. Como isso era extremamente importante na cultura semita, era impossível que o culto ao Eterno não contemplasse isso. Estar imundo na presença do Eterno era considerado um desrespeito gravíssimo. Como a Casa do Eterno, ou o seu arraial, era um local no qual se entendia que Ele habitava, os filhos de Israel ficariam temerosos de que a impureza pudesse afastar a presença do Criador. No entanto, isso não tem a ver com pecado. Várias coisas corriqueiras poderiam causar impureza cerimonial, tais como a relação sexual de um casal (Lv. 11:32). Há casos em que a Torá até mesmo ordena que se alguém se torne impuro. Como, por exemplo, em caso de morte de familiar próximo a um sacerdote: “Depois disse ADONAY a Moshé: Fala aos sacerdotes, filhos de Aharon, e dize-lhes: O sacerdote não se contaminará por causa de um morto entre o seu povo, Salvo por seu parente mais chegado: por sua mãe, e por seu pai, e por seu filho, e por sua filha, e por seu irmão. E por sua irmã virgem, chegada a ele, que ainda não teve marido; por ela também se contaminará.” (Wayiqrá/Levítico 21:1-3) O contato com mortos traz impureza. Contudo, se impureza fosse pecado, a Torá não ordenaria que um sacerdote ficasse impuro. III – Salvação Espiritual Embora esse seja um conceito extremamente importante dentro do Cristianismo, o conceito de salvação espiritual não existe no Judaísmo. Até aí, tudo normal, afinal estamos falando de religiões diferentes. O problema é que, como o conceito cristão é culturalmente muito difundido, muitos passam a ler “salvação espiritual” todas as vezes em que a palavra “salvação” aparece no Tanakh (Bíblia Hebraica), que os cristãos chamam de “Velho Testamento”. No hebraico, o radical yashá` (יָשַׁע), que costuma indicar salvação ou livramento, aparece mais de 350 vezes. Mas sempre, invariavelmente, no contexto de livramento da mão de inimigos, de situações perigosas ou angustiantes. Por exemplo, o profeta diz: “Deveras em ADONAY nosso Elohim está a salvação de Israel.” (Yirmiyahu/Jeremias 3:23) Muitos tomam isso como uma promessa de salvação espiritual. Quando, todavia, buscamos o contexto dos profetas, encontramos: “Naqueles dias andará a casa de Yehudá com a casa de Israel; e virão juntas da terra do norte, para a terra que dei em herança a vossos pais.” (Yirmiyahu/Jeremias 3:18) Em outras palavras, o contexto é a volta do exílio, o fim da angústia da opressão de seus inimigos. No pensamento israelita, não existia a ideia de salvação espiritual, porque os israelitas sempre confiaram que o Eterno seria justo e misericordioso no seu julgamento. O objetivo deste artigo não é explorar as diferenças teológicas entre Judaísmo e Cristianismo, que são enormes. Até porque este é um site judaico, e não de debates interreligiosos. Mas até um exegeta cristão certamente concordaria que ler “salvação espiritual” quando aparece a palavra “salvação” nos salmos ou nos profetas é distorcer o contexto da mensagem. Afinal, como poderiam os autores falar de algo inexistente em sua própria cultura? IV – Dízimo é Mandamento Há, o tão polêmico mandamento do dízimo. Que, na realidade, não existe. Dízimo, no hebraico ma`assar ou ma`asser (מעשר), na realidade significa “um décimo”. Em outras palavras, dízimo é uma medida, e não um mandamento. Isso pode ser visto em passagens como, por exemplo: “Tereis balanças justas, efa justo e bato justo. O efa e o bato serão de uma mesma medida, de modo que o bato contenha a décima parte [ma`assar – מַעְשַׂר] do ômer, e o efa a décima parte do ômer; conforme o ômer será a sua medida.” (Ye’hezqel/Ezequiel 45:10-11) Observe que no contexto acima, a mensagem do profeta é sobre não se fazer alternação nas balanças, e nas medidas usadas para enganar o povo. Não há qualquer referência aos mandamentos que usam um décimo como medida. O que existem são mandamentos (no plural) que fazem uso da medida do dízimo. Por exemplo, o mandamento aos israelitas de darem a décima parte do que colherem e dos rebanhos (Lv. 27:30-32), o mandamento aos levitas de darem a décima parte do que receberam dos israelitas (Nm. 18:26). Ou ainda a décima-parte da colheita, a cada três anos, que deveria ser destinada a viúvas e pobres (Dt. 14:28-29) Por que isso importa? Porque muitos gananciosos tentam utilizar Gn. 14:20 para afirmar que, em suas palavras, “o mandamento do dízimo já existia antes do Sinai”. Ora, a única coisa que essa passagem diz é que a décima parte foi usada. Não há qualquer indicativo de um mandamento implícito à passagem, da mesma forma que o fato de Ye’hezqel (Ezequiel) fala da décima parte, sem qualquer referência a um mandamento. V – Dízimo de Dinheiro E por falar em dízimo, uma pergunta: O que cozinheiros, pedreiros, carpinteiros, pescadores, artesãos, ferreiros, escudeiros, oleiros, comerciantes e outros trabalhadores assalariados tinham em comum, nos tempos bíblicos? Nenhum deles dava dízimo de seus rendimentos! Os mandamentos dos dízimos (pois, como visto, são vários) não incidiam sobre pessoas, nem sobre dinheiro, e sim sobre a produção da terra (Lv. 27:30), e dos rebanhos (Lv. 27:32). Se tais pessoas mencionadas no primeiro parágrafo tivessem suas próprias plantações e rebanhos, seria delas que viriam os dízimos. Se não tivessem, nada estariam obrigadas a dar no tocante aos dízimos. A lógica era simples: A tribo de Levi não ganhou terras na partilha. Logo, não tinha condições de plantar e criar gato, para que pudessem se alimentar. Em troca, eles serviriam como juízes e mestres em Israel, além de trabalharem no Tabernáculo. O tempo que iriam gastar com plantio e com criação de gado poderia ser dedicado ao trabalho indicado. Tanto o dízimo nunca foi dado sobre dinheiro, que a Torá chega a dizer: “Certamente darás os dízimos de todo o fruto da tua semente, que cada ano se recolher do campo. E, perante ADONAY teu Elohim, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome, comerás os dízimos do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas; para que aprendas a temer a ADONAY teu Elohim todos os dias. E quando o caminho te for tão comprido que os não possas levar, por estar longe de ti o lugar que escolher ADONAY teu Elohim para ali pôr o seu nome, quando teu Elohim te tiver abençoado; Então vende-os, e ata o dinheiro na tua mão, e vai ao lugar que escolher ADONAY teu Elohim; E aquele dinheiro darás por tudo o que deseja a tua alma, por vacas, e por ovelhas, e por vinho, e por bebida forte, e por tudo o que te pedir a tua alma; come-o ali perante ADONAY teu Elohim, e alegra-te, tu e a tua casa; Porém não desampararás o levita que está dentro das tuas portas; pois não tem parte nem herança contigo.” (Debarim/Deuteronômio 14:22-27) Observe: Se a pessoa não pudesse levar os alimentos ao Templo, deveria vendê-los, e trocar por alimentos, mas não daria dinheiro aos sacerdotes. Antes, deveria fazer um banquete na presença do Eterno. VI – O mundo está cada vez pior A impressão de que o mundo está cada vez pior vem de duas coisas. A primeira: a maioria das pessoas tem uma vida mais fácil na infância, e a vida vai se complicando a partir da idade adulta. Logo, a pessoa está condicionada a achar que tudo que tudo tende a piorar. A segunda: Vivemos em plena revolução das telecomunicações, e temos acesso a uma enormidade de informações das quais éramos poupados. Se uma pessoa não assistisse a um noticiário, ou lesse um jornal, poderia passar meses achando que tudo está perfeito. Mesmo se tivesse acesso aos noticiários, frequentemente eram apenas resumos simples, sem mostrar muitas imagens, e que se ocupavam apenas de coisas consideradas mais relevantes. Isso quando não era propositadamente censurado. Hoje, se uma pessoa joga um filhote de koala no rio lá na Austrália, ficamos sabendo em questões de minutos. Isso também gera uma sensação de que o mundo está pior. A história, porém, não confirma essa impressão. Lembre-se que não muito tempo atrás, nas guerras mundiais, governos cometeram genocídios em massa, dizimando boa parte da população, com requintes de crueldade. E o que dizer da Idade Média? Ou do próprio Império Romano? Fato é que, pasme o leitor, na realidade, o mundo está melhor, e não pior. Muito do que era feito outrora a céu aberto, hoje geraria indignação. Claro, você pode estar numa situação pior, ou um país pode ter uma fase pior (como a crise brasileira), mas quando se considera a humanidade como um todo, a coisa muda de figura. Como se não bastasse o fato de que as estatísticas não confirmam essa impressão, ainda a própria Bíblia Hebraica diz, de maneira explícita: “Nunca digas: Por que foram os dias passados melhores do que estes? Porque não provém da sabedoria esta pergunta.” (Qohelet/Eclesiastes 7:10) Para bom entendedor, meia palavra basta. VII – Deus não dá fardo maior do que podemos suportar A ideia é linda. Pode até, dentro de certo contexto, fazer sentido. Mas, não é bíblica. Não existe na Bíblia Hebraica nenhum tipo de afirmação dessa natureza. Imagine um pai, assistindo à morte de seus filhos num campo de concentração nazista. Acaso poderíamos dizer que “Deus não deu a ele fardo que não pudesse suportar?” Essa ideia, na realidade, é uma grande heresia, porque pode acabar gerando nas pessoas as seguintes sensações: 1) A ideia de que tudo o que nos sobrevém é do Eterno. Na realidade, muitas vezes, o que vem a nós é fruto das escolhas da humanidade. Seja de terceiros, seja de parentes, ou seja de nós mesmos. Por exemplo, a Torá diz que se o povo de Israel andasse em rebeldia, o Eterno não os protegeria contra exércitos inimigos. O que, então ocorreria? “Teus filhos e tuas filhas serão dados a outro povo, os teus olhos o verão, e por eles desfalecerão todo o dia; porém não haverá poder na tua mão.” (Debarim/Deuteronômio 28:32) Aqui observamos a consequência das ações dos pais sobre seus próprios filhos. Da mesma forma que, se um de seus pais escolheu se entregar à bebedeira, talvez você tenha tido uma infância dificílima. Acaso ser agredido por um pai embriagado não é fardo pesado demais para ser suportado? 2) A falsa ideia de que tudo seja questão de perseverança. Muitas vezes, quando as coisas dão errado, é sinal de que o caminho está errado, e não de que você precise ter mais fé. Por exemplo, vemos a história de Moshé (Moisés): “E aconteceu que, no outro dia, Moshé assentou-se para julgar o povo; e o povo estava em pé diante de Moisés desde a manhã até à tarde.” (Shemôt/Êxodo 18:13) Sabemos pelo restante da narrativa que Moshé (Moisés) percebeu, através do sábio conselho de seu sogro, que estava fazendo errado de conversar com o povo um por um. Imagine se Moshé, ao invés de acatar o seu sogro, invocasse o chavão de que o Eterno não daria a ele fardo maior do que podia suportar? Moshé teria “perseverado” num caminho ruim, não por fé, mas por pura teimosia. Além disso, existem dezenas de passagens nas quais as pessoas na Bíblia passam por fardos muito maiores do que poderiam suportar. Por exemplo, Dawid (Davi) chega a dizer, quando foi traído por uma pessoa próxima: “Pois não era um inimigo que me afrontava; então eu o teria suportado; nem era o que me odiava que se engrandecia contra mim, porque dele me teria escondido.” (Tehilim/Salmos 55:13) (55:12* em algumas versões). Na verdade, quando entendemos que há fardos demasiadamente pesados para suportar, é nessas horas que entendemos que precisamos ainda mais do Eterno, ou mesmo do apoio de pessoas próximas, que nos ajudem a carregar tais coisas! Conclusão Como se pode ver, existem diversas ideias que, por mais que sejam populares, não necessariamente se fundamentam no Tanakh (Bíblia Hebraica). É importante deixar que as Escrituras falem por si, ao invés de tentarmos encaixar nossas próprias percepções no texto bíblico.

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